Quanto à Geografia... refletindo e aprendendo
com Milton
Para Milton a geografia nunca teve momento tão promissor. Ao
peso das metáforas se associa o peso da desconfiança dos
geógrafos na força do espaço. Essa desconfiança
levou o geógrafo a adotar a primeira idéia mais próxima,
entre geólogos, antropólogos, cientistas políticos,
filósofos, do que assumir a geografia propriamente dita. Por isso
a geografia foi invadida por metáforas. Assim nos chega uma enorme
influência vinda antes dos geógrafos franceses, depois dos
anglo-saxões, disseminando o poder de alguns poucos geógrafos:
o deslocamento do interesse dos hegemônicos em relação
aos hegemonizados se amplia. O resultado desse processo é que a
geografia, em vez de se tornar universal, se torna provinciana.
Além disso, há uma institucionalização crescente
da disciplina: seu prestígio é ligado a departamentos, a
revistas. Isto vai criar uma enorme capacidade de reprodução
sem discussão do objetivo mesmo do que se está fazendo. E
isto é o que Milton denomina de 'moda'. Elaborando uma profunda
reflexão sobre o movimento da geografia na América Latina
que ele próprio criou, Milton teme que ele venha a não durar
muito. Pois, lamentavelmente aqui, para que as coisas vinguem, alguém
sempre quer criar alguma instituição, institucionalizar os
processos: criar uma associação de geógrafos da América
Latina, para se associar a UGI - União Geográfica Internacional
e posteriormente solicitar financiamentos de preferência a alguma
instituição internacional. Assim, a geografia se fragmenta
cada vez mais. O movimento que Milton Santos indubitavelmente lidera na
América Latina se opõe a isto: nele a geografia se globaliza,
assume uma forma de expressão diferente, procura manter um estreito
laço cultural e esta é também uma forma de expressão
diferente.
Milton nos revela sempre a sua visão sobre a geografia, sobre
o Brasil e sobre o mundo. Seu sinuoso pensar pode vislumbrar coisas que
nós ainda certamente não estamos vendo. Assim tem sido a
sua vida... No entanto, seu pensamento nos deixa atento para procurar compreender
nosso país. Verificar se o Brasil só está impregnado
da novidade (a política neoliberal) ou se efetivamente já
fomos emprenhados pelo 'novo no mundo: a possibilidade de, com a técnica,
construir esse "admirável mundo novo"' e a tão
perseguida civilização do ócio, resgatando a plenitude
do homem universal.
Milton, sua lucidez, sua obra e a história da sua vida nos permitem,
ainda, construir utopias.
Um beijo. Continue a ser feliz.
Maria Adélia.
São Paulo, setembro de 1996.
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